Em 2012, uma campanha bastante inusitada rendeu o primeiro Grand Prix
brasileiro, em Cannes, na categoria Rádio.
A idealizadora da campanha foi a agência Talent, que criou um case para
a edição nacional da revista Go Outside, direcionada ao público que gosta de
esportes ao ar livre. A campanha focou em um dos principais problemas para tal
público: os mosquitos.
Durante todos os fins de semana do verão 2012, entre 17 horas e 19
horas, a rádio Band FM de São Paulo transmitiu um sinal de alta frequência (15
kHz), a mesma emitida por libélulas, uma predadora natural dos mosquitos. O
sinal é praticamente inaudível ao ouvido humano, mas percebido por esses
insetos.
A ideia era que, ao ouvir o sinal, os mosquitos se afastassem da fonte
de emissão. Em 15 dias de transmissão, três milhões de aparelhos sintonizaram o
sinal. O trabalho ganhou destaque na premiação pela criatividade de uso do
meio.
O único problema é que os cientistas o chamaram de “completa
baboseira”.
Como golpe publicitário, é muito convincente, de fato. Nada de
repelentes, sprays, raquetes: tudo o que você precisa fazer é ouvir a Band FM.
O problema aqui, de acordo com o entomologista Bart Knols, é que não há
“nenhuma evidência científica” de que o ultrassom repele mosquitos.
O equívoco de que mosquitos podem ser detidos por ultrassom tem rodado
por quase 40 anos: pelo menos uma revisão científica de um repelente eletrônico
foi publicada em 1974.
Uma revisão de 10 estudos feita em 2010 concluiu que dispositivos
ultrassônicos “não têm efeito na prevenção de picadas de mosquito”, e “não
devem ser recomendados ou usados”. Isso porque podem levar a uma falsa ideia de
proteção e, em países onde mosquitos transmitem malária, dengue, entre outras
doenças, pode ser potencialmente perigoso para aqueles que estão achando que
ouvir tal programa na rádio os deixa seguros.
A revisão feita por diversos cientistas ainda alerta que sequer vale a
pena estudar mais o assunto. É definitivo: ultrassom não repele mosquito.
A campanha da Band FM foi baseada em um sinal de alta frequência de 15
kHz, emitido por libélulas, predadoras dos mosquitos. Na verdade, diz Knols,
libélulas têm uma frequência de batimento de asa de entre 20 e 170 Hz, muito
mais baixa do que 15 kHz. Ainda assim, esta frequência mais baixa é igualmente
inútil em afastar mosquitos ou impedi-los de lhe morder.
A Band FM não foi a primeira estação a transmitir frequências
supostamente repelentes de mosquito, mas a ideia (felizmente) não pegou. Muito
mais comuns, no entanto, são aparelhos eletrônicos de ultrassom,
comercializados como repelentes em muitos países.
Em 2005, a revista britânica “Holiday Which?” testou uma série de
repelentes eletrônicos de mosquitos. Os quatro aparelhos testados foram descritos
como “um desperdício de dinheiro” e foi dito que “deveriam ser retirados” das
prateleiras.
Um deles, o Lovebug, um aparelho em forma de joaninha projetado para ser
posto no berço de um bebê ou cadeirinha de criança, foi apontado como uma causa
de preocupação, porque a probabilidade de que os pais confiem nele para manter
os mosquitos afastados pode acabar por prejudicar seus filhos.
O Lovebug ainda está disponível para venda na Europa, apesar de ter
sido retirado do mercado dos EUA após o fabricante Prince Lionheart ser
repreendido pela Comissão de Comércio Federal.
Os fabricantes desses dispositivos dizem que acreditam na palavra dos
consumidores de que o produto funciona. No entanto, alguns alertam que contar
apenas com esses aparelhos para manter mosquitos transmissores de doenças afastados
não é recomendado.
Um dos mais recentes produtos lançados equipado com ultrassom e
comercializado como repelente de mosquito é um ar-condicionado da LG. O produto
entrou no mercado na Indonésia em 2009 e acaba de ser lançado na Nigéria, após
a realização de testes de laboratório em ambos os países.
A empresa alega que os testes mostraram que o ar-condicionado repele
“em média 64% dos mosquitos transmissores de malária dentro de 24 horas”, mas
não recomenda que a máquina seja utilizada como uma medida preventiva única
contra a malária.
Um porta-voz da LG disse à BBC que o ar-condicionado utiliza uma faixa
de frequência muito grande, entre 30 kHz e 100 kHz, muito maior do que os 15
kHz da “rádio repelente”.
Bart Knols diz que é impossível saber se o produto funciona sem
informações adicionais sobre os testes realizados. “É bem sabido que o ar
condicionado, por causa do fluxo de ar que produz, seca os insetos e os mata”,
afirma. “Então, qual será o efeito ‘extra’ do som? Existe mesmo algum?”.
Aplicativos de celular repelentes também já foram lançados. Mais uma
vez, especialistas dizem que são inúteis. Apesar de serem amplamente
disponíveis para download, não funcionam.
Knols testou um aplicativo para iPhone que gera um sinal de ultrassom
em 15 kHz. Ele se aproximou de mosquitos da dengue com o celular e, adivinhe
você, eles foram direto para a mão de Knols, sem se incomodar com o “sinal
repelente de ultrassom”.
Knols argumenta que depender de tecnologia ultrassom para repelir
mosquitos é uma loucura. As pessoas precisam se proteger com mosquiteiras,
loções repelentes, etc. Ele sugeriu que o Cannes Lions rescindisse o prêmio
dado a campanha da “rádio repelente” e o desse para o vice-campeão em seu
lugar.
Em um comunicado, Terry Savage, presidente executivo do Cannes Lions,
disse que, se a campanha era precisa ou não, era um assunto para a agência de
publicidade vencedora, Talent, e para a agência reguladora de publicidade no
Brasil.
A agência Talent, que faz parte do Publicis Groupe, empresa
controladora da Publicis EUA, na qual um dos juízes do Cannes, Bob Moore, é
diretor de criação, se recusou a comentar. A agência reguladora brasileira, o
Conar, disse à BBC que seus membros estão atualmente analisando se a campanha
violou o código de prática da indústria.
Um porta-voz da Band FM, por sua vez, disse que não tinha qualquer
responsabilidade de verificar se o sinal transmitido pela rádio realmente teve
algum efeito sobre mosquitos.
De qualquer maneira, a ciência acredita que a campanha foi um
desserviço para a população, especialmente a brasileira.
Para quem possui cães em casa, um aviso importante: esses animais ouvem
frequências que não ouvimos. Por isso, equipamentos ultrassônicos podem
incomodar bastante nossos amigos caninos.Por enquanto, o Inmetro e a Anvisa parecem alheios à essa questão.
(Fontes: http://hypescience.com/ultrassom-realmente-repele-mosquitos/ e http://www.bbc.co.uk/news/magazine-20669080)
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