Não é de agora que o CNPq adota critérios que contradizem
o discurso da meritocracia. Mas o atual momento obscurantista pelo qual passa a
ciência brasileira torna esses critérios ainda mais danosos.
Critérios questionáveis ou mesmo esdrúxulos têm sido
utilizados em avaliações de bolsas e projetos de pesquisa submetidos ao CNPq
com uma frequência preocupante. Vou me ater aqui à bolsa de Produtividade em
Pesquisa, citando dois exemplos, sendo um deles o meu próprio caso.
Começo com o caso do Dr. Oscar Rosa Mattos. No resumo
de seu currículo na plataforma Lattes, Dr. Mattos afirma que
Foi
bolsista do CNPq nível IA por mais de 30 anos e no ano de 2016, por problemas
particulares, perdeu a data de renovação da bolsa. Posteriormente, respeitando
o edital do CNPq, submeteu um novo pedido para voltar a ser bolsista nível IA,
conforme previsto no edital. Surpreendentemente, recebeu uma bolsa Nível II com
alegação do CNPq que, segundo critérios internos, os bolsistas devem começar
suas respectivas carreiras como nível II, mesmo aqueles que estão retornando ao
sistema e não perderam suas respectivas bolsas por análise de mérito. Após várias
infrutíferas tentativas de reverter esta decisão, optou por abdicar da bolsa
Nível II, por julgar absurda tal decisão e não querer se submeter a mesma.

Sem dificuldades, identificamos um critério estranho,
para não dizer esdrúxulo: os bolsistas devem começar suas respectivas
carreiras como nível 2, mesmo aqueles que estão retornando ao sistema e não
perderam suas respectivas bolsas por análise de mérito. O próprio texto do
critério deixa claro que estão ignorando a meritocracia. Uma pergunta relevante
é a seguinte: E se fosse um membro de um dos comitês do CNPq ou um amigo de algum
membro, teria regressado ao nível 2?
O outro exemplo é o meu próprio caso. Fui bolsista de
Produtividade em Pesquisa nível 2 do CNPq de 2009 até o início de 2021. Em
2020, solicitei a renovação da bolsa juntamente com a promoção para o nível 1D,
visto que meu currículo e minha produtividade anual são equivalentes aos de
vários colegas que estão no nível 1D. Não somente negaram minha promoção, como
também negaram a renovação da bolsa nível 2, apesar das ótimas avaliações dos
assessores. O Comitê de Assessoramento de Física e Astronomia (CA-FA) alegou que "propostas de
pesquisadores que não possuem uma posição permanente na instituição de execução
do projeto não tiveram prioridade elevada". Este critério estranho nada
tem a ver com produtividade em pesquisa e não está incluído no conjunto de
critérios de julgamento divulgado anteriormente no site da Sociedade
Brasileira de Física (http://www.sbfisica.org.br/v1/home/images/acontece-na-sbf/2020/julho/criterios-cafa-cnpq.pdf).
Aqui também vale uma pergunta: E se um membro do comitê ou um amigo de algum membro
deixasse de ter um cargo permanente, teria a bolsa renovada ou não?

A propósito, a Sociedade Brasileira de Física deveria
se preocupar não somente com falhas de meritocracia no alto escalão (como a
presidência da CAPES), mas também com essas falhas meritocráticas em níveis
mais baixos, como vêm ocorrendo no CNPq e em outras agências de fomento à
pesquisa científica.
A falta de verba de um governo que não preza pela
meritocracia não pode ser desculpa para o CNPq adotar critérios que também não
prezem pela meritocracia. Está parecendo aquele velho ditado que diz: “farinha
pouca, meu pirão primeiro”. Em outras palavras: “como o recurso está escasso,
vamos favorecer a nós e a nossos amigos, nem que para isso tenhamos que
inventar critérios questionáveis”.
O CNPq está renovando parcialmente seus comitês de assessoramento (veja
a lista dos comitês e seus membros aqui). Espero que os novos membros dos
comitês cheguem para ajudar a mudar o status quo que vem minando a
meritocracia e manchando a imagem do CNPq.
Atualizações
12/2021
A mudança parcial dos comitês que ocorreu recentemente não parece ter resultado em melhoria por enquanto, pelo menos não no Comitê de Assessoramento de Física e Astronomia (CA-FA). Não sei se ocorre em outros comitês, mas o CA-FA não tem divulgado as notas dos assessores ad-hoc, somente a nota final do próprio CA-FA. E essa nota do comitê, no meu caso, destoou bastante (para menos) do conteúdo do parecer do assessor ad-hoc no último processo de avaliação de bolsa. Seria uma retaliação por parte desse comitê? De qualquer modo, seguirei firme apontando as discrepâncias entre discurso e prática no que diz respeito à meritocracia no meio científico brasileiro.